domingo, 25 de setembro de 2011

A papagaiar

É a época da flacidez. Flacidez dos termos. O que gera a flacidez também dos discursos. Quando me vêm com “capitalismo”, “neoliberalismo”, “alienação”, “consumismo”, “crítica”, etc., já desconfio. Aliás, mais que desconfio, preconceituo. Preconceituo francamente, sem remorso: “Perdoai-lhes, Senhor, porque não sabem do que falam”, penso comigo.

Mas pode piorar. Podem vir com “amor” e “felicidade”, “certo” e “errado”, “sinceridade” e “falsidade”, e sei lá mais o quê. Aí chego às raias da completa indiferença.

Não, não arrogo o conhecimento exato dos significados dos termos acima. Mesmo porque não acredito em significados últimos. É corolário da descrença em Deus – e em toda a metafísica – a descrença também em significados últimos, essenciais da linguagem. Prefiro as significâncias, ou as práticas significantes, à la Barthes. Gosto de não conhecer a essência das coisas, ou melhor, de não ter interesse nela. Prefiro a aparência. Por que não a aparência?

Mas pode piorar ainda mais. Podem vir com frases feitas. Podem vir com discursos recheados de lugares-comuns, fazendo pose de artistas apaixonados, literatos inspirados, espíritos livres. Fujamos disso. Eu fujo. Se por muito tempo teimo continuar a ouvir bobagens desse tipo, minha alma sofre de uma dispepsia aguda. Aí sofro. Tenho dó de mim. Tenho dó de nós, os que comigo compactuam com essa alergia dos ouvidos. Tenham dó de nós vocês também, ó caros papagaios de frases de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu* via Facebook e Twitter. Poupem-nos.

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Papagaiando Nietzsche (pra não passar sem a minha dose de hipocrisia “demasiado humana”):

Perdoem-me a brincadeira dessa caricatura e expressão sombria: pois eu mesmo aprendi há muito a pensar de outro modo, a avaliar de outra maneira o enganar e o ser enganado, e guardo ao menos alguns socos para a fúria cega com que os filósofos resistem a ser enganados. Por que não? Não passa de um preconceito moral que a verdade tenha mais valor que a aparência; é inclusive a suposição mais mal demonstrada que já houve. Admita-se ao menos o seguinte: não existiria nenhuma vida, senão com base em avaliações e aparências perspectivas; e se alguém, com o virtuoso entusiasmo e a rudeza de tantos filósofos, quisesse abolir por inteiro o "mundo aparente", bem, supondo que vocês pudessem fazê-lo – também da sua "verdade" não restaria nada! Sim, pois o que nos obriga a supor que há uma oposição essencial entre "verdadeiro" e "falso"?
Além do Bem e do Mal, 34.

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*Calma. Gosto de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Só não gosto que muitos escolham reproduzir destes justo as frases que, sem o peso do contexto, são as mais voláteis. Pode voltar a não me odiar completamente.

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