terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Renan? pfff... Vincent Vega!


“Digamos então, audaciosamente, que a religião é produto do homem normal, que o homem está mais próximo à verdade quando é mais religioso e mais seguro de um destino infinito… É quando ele contempla as coisas de maneira desinteressada que ele acha a morte revoltante e absurda. Como não supor que é nesses momentos que se enxerga melhor?” Ernest Renan, L’avenir religieux des sociétés modernes, 1860.

Ãhn?!

Jules Winnfield e Vincent Vega:

J: – This was divine intervention. You know what divine intervention is?

V: – I think so… that means that God came down from heaven and stopped the bullets?

J: – That’s right! That’s exactly what it means. God came down from heaven and stopped these motherfucking bullets.

V: – … I think is time for us to leave, Jules.

J: – Don’t do that! Don’t fucking blow this shit off! What just happened here was a fucking miracle!

V: – Chill, Jules. This shit happens.

J: – Wrong! Wrong. This shit doesn’t just happen.

V: – Do you wanna continue this theological discussion in the car or in the jailhouse with the cops?

J: – We should be fucking dead, my friend. What happened here was a miracle and I want you to fucking acknowledge it.

V: – Alright, it was a miracle… can we go now?

rs…




“I’m a mushroom cloud-layin’ motherfucker, motherfucker!”

domingo, 26 de dezembro de 2010

Pára tudo!


Ó Tempo! A função do Tempo é sulcar rugas pelo rosto e flexionar a coluna; é entupir artérias e deteriorar os ossos. Ossos do ofício – ofício árduo: viver. Mas foda-se o Tempo. Se o Tempo quiser me foder, quero que seja de frente, e de pernas abertas pois também não quero ser passivo nessa relação. Infelizmente, quem tende a decidir essas posições é o filho bastardo e mais insidioso do tempo, o Devir; sim, o Devir, aquele sadista. Pouco se pode fazer diante dele, embora seja possível, ainda com esse pouco, fazer algo rijo e potente – pelo menos é nisso que quero acreditar.

De fato, o Devir nos impõe muitas coisas – a saber, nossa constituição fisiológica, com suas doenças e deformidades hereditárias; o lugar, a época e as condições sociais em que nascemos e crescemos, com suas escassezes ou abundâncias; as vicissitudes próprias do acaso, com suas sortes ou reveses, fortunas ou infortúnios. Mas há uma coisa em que, por mais que estique seus longos e poderosos braços, ele nunca conseguirá tocar a um nível absolutamente determinante: a mente. Eis o que o Devir não pode emascular, ou pelo menos, penso eu, não se pode deixar que ele o faça – pois o fará ao menor sinal de languidez do caráter.

O orgulho, a parcimônia no aprender, uma certa pernosticidade refinada, a desconfiança, a investigação impetuosa que por vezes beira a crueldade, o prescindir-se de qualquer dogmatismo , a força no querer, no não querer, nas paixões, no amor, no ódio: frutos de uma mente sã e bem aberta – armas portentosas e eficientes que podem e devem ser usadas para acuar essa fera, esse maldito Devir. Não se pode matá-lo ou livrar-se dele nem sequer por um instante, é verdade, mas pode-se colocá-lo em seu devido lugar: não como protagonista, mas como um belo cenário no espetáculo da vida.

Ora, abram-se as cortinas! O espetáculo não pode esperar; e "o Tempo, o Tempo não pára!"

sábado, 25 de dezembro de 2010

“– Marche!”


Eu queria escrever bem. Há uma grande diferença entre saber escrever e escrever bem. Escrever bem é o dom de conseguir fazer com que as palavras dancem, por assim dizer; tenho amigos que conseguem. Quando elas dançam, nada mais importa senão o espetáculo: os movimentos sutis, sagazes, leves, graciosos, potentes ao mesmo tempo, amiúde emocionantes, inspiradores. Todo o resto deve, com justeza, ser perdoado – e será.

Mas eu não consigo. Minhas palavras não dançam: elas marcham. Repetem uma marcha fria, cinzenta, a passos grosseiros, rudes, ásperos; e ridiculamente uniformizadas elas seguem em direção a um abismo profundo e disforme de uma dialética ao avesso, vagabunda, e por vezes sem sentido. Às vezes, ao menor sinal de emoção ou lirismo, uma sistematicidade rabugenta trata imediatamente de colocá-las todas na linha, em suas fileiras rigorosamente organizadas, e passa a conduzi-las à derrocada em meio a um campo de batalha cercado por trincheiras repletas de poderosas, antigas, cristalizadas e malquerentes conjecturas – uma guerra desproporcional, uma franca e violenta “palavricina”, de fato. Mas, como num ato de indolência em que se ignora até o mais fatal e terrível infortúnio, elas ainda assim marcham de nariz empinado, vomitando impropérios aqui e ali, ostentando preponderância e animosidade, cuspindo na cara da própria linguagem, chutando o saco da dialética, mordendo a mão das filosofias que as alimentam – foda-se. Foda-se a exaltação lírica…


“Como torna alguém venenoso, astucioso e mau, toda a guerra longa que não é conduzida com franca violência!” Nietzsche, ABM 25.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Acerca dos efeitos da natureza do ser humano sobre ele próprio

Homo sapiens. Com certeza a besta mais terrível e assustadora que o universo conseguiu gerar. Um cérebro tão poderoso, capaz de produzir interações nervosas e neurológicas tão complexas, que a torna o único ser detentor de uma coisa que ela mesma, também em virtude desse alto nível de complexidade cerebral, denominou de “mente”, ou “consciência”. A única forma de vida que é apta a dar nomes às coisas – apta inclusive a dar um nome ao ato de dar nomes às coisas, a saber, a linguagem. A única forma de vida que consegue ousar se voltar contra os próprios instintos, contra as próprias sensações, contra sua própria natureza.

Observe bem e notará que nenhum outro animal, nem mesmo qualquer outro ser vivo em meio à inúmera quantidade de níveis classificatórios que criamos, volta seus instintos de vida contra si mesmo; apenas esse monstro insaciável, o ser humano, o faz – e o fez de tal maneira, durante toda a sua história, se espancou de tal modo, se agrediu, se iludiu com essa avidez de artista tão poderosa, a qual almeja sempre a tudo modificar e criar algo diferente e superior, que hoje esse pobre ser, vítima de si mesmo, encontra-se de uma maneira disforme, quebrantada, machucada, doente, incapaz de se reconhecer pertencente àquilo que ele mesmo uma vez, como de costume – e até com uma certa ironia – deu um nome: “natureza selvagem”.
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Fiquei pensando em todo esse monte de esterco enquanto dava uma olhada nessa retrospectiva fotográfica de 2010: http://www.boston.com/bigpicture/2010/12/2010_in_photos_part_1_of_3.html

A meu ver – isto é, pode-se discordar de mim, embora seja pouco provável que você esteja mais certo do que eu* – cada um desses registros mostra ser, em sua essência, uma expressão do instinto humano de caráter mais natural, mais básico, que é o instinto de dominação. Mais que um suposto instinto de pura sobrevivência, o impulso de dominar, controlar, modificar tudo o que há em volta, parece vestir de maneira mais adequada o cerne das motivações e sentimentos humanos. Isso se reflete desde as competições de índole esportiva, homicídios passionais até guerras, protestos, atentados terroristas, exploração espacial e de recursos naturais, até mesmo aos atos mais singelos de compaixão, altruísmo, caridade, filantropia e humildade. No entanto, aconteceu que o homo sapiens passou a distribuir conceitos de “certo” e “errado” a determinadas ações, “virtude” e “destemperança” a supostas motivações.

Claro que esse é um assunto muito extenso, controverso e polêmico. Foucault escreveu sobre isso, até mesmo de uma forma que pode soar sádica aos ouvidos mais sensíveis; por sorte, há diversas partes da filosofia dele que podem, se bem manejadas, servir para mimar o senso moral de nossa civilização contemporânea, o que permitiu que seus livros não fossem parar numa fogueira ao pé de uma cruz. Isso não acontece com Nietzsche ou Deleuze, por exemplo; enquanto este é pouco traduzido e alvo de pequeno interesse, aquele é odiado até as entranhas ou ignorado, polido e distorcido em suas partes mais ácidas e contundentes.

Enfim, pra quem já teve alguma inclinação a se fazer questionamentos desse tipo, recomendo ler algum livro desses três aí. Pra mim eles serviram como uma expressão escrita de várias coisas que já intrigavam essa minha pobre mente limitada – e vê-las expressas de um modo sucinto e perscrutador ajuda a cimentar as idéias sob uma luz mais precisa e clara.

"I don't want to be a product of my environment. I want my enviroment to be product of me" (Frank Costelo). Clássica... hehe.
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*Piadinha. Não precisa me odiar ;D

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Breve análise sobre excertos filosóficos de Nietzsche (ou, Como macular a reputação de um gênio)

Lendo Nietzsche - Além do bem e do mal - conclui algo interessante: a linguagem nos seduz a uma apreciação metafísica dos seus significados e, por fim, das coisas às quais esses significados são atribuídos. A palavra “eu”, por exemplo, tende a designar uma concepção metafísica a um aglomerado de processos e de coisas interdependentes, mas que não se configuram numa “coisa em si”. O “eu” não é uma “coisa em si”. Isso pode se tornar um embuste para aqueles que desejam desenvolver um pensamento filosófico a partir apenas do puro significado das palavras. “Deveríamos nos livrar, de uma vez por todas, da sedução das palavras [...] Quem, invocando uma espécie de intuição do conhecimento, se aventura a responder de pronto essas questões metafísicas [...] esse encontrará hoje à sua espera, num filósofo, um sorriso de dois pontos de interrogação” (parágrafo 16)


Fiz uma viagem muito doida há pouco, lendo esses excertos muito bons do ABM. Li só os parágrafos 16-19. Interessantíssimos. Lembro que, da primeira vez que os li, não consegui captar a essência desse pensamento. Mas hoje creio que cheguei até o âmago dela. Nietzsche faz uma crítica ao conceito da vontade, do querer; e a essência dessa crítica baseia-se no desprendimento da concepção metafísica desses conceitos.

Ele começa referindo-se ao pensamento desenvolvido por Schopenhauer que, como ele bem ressaltou, reduz o querer, ou a vontade, a um patamar primário, essencial, básico, isto é, metafísico da natureza humana. Porém, isso representa um preconceito, um engodo lançado pela linguagem, pelo “hábito gramatical”, como Nietzsche colocou. Só mesmo a linguagem para reduzir essa imensa pluralidade de sentimentos e processos químicos e neurológicos, que é a vontade, a uma coisa unitária.

Estou inclinado a concordar com o bigodudo nesse ponto. Afinal, dizer: “A identidade do sujeito do querer com o sujeito cognoscente, em virtude da qual (e necessariamente) a palavra ‘eu’ inclui e designa ambos, é o ponto nodal do mundo, e como tal inexplicável. [...] uma efetiva identidade do cognoscente com o querente, portanto do sujeito com o objeto, ocorre de imediato” (Schopenhauer – A quádrupla raiz do princípio da razão suficiente) – é a mesma coisa que dizer que a parede é o elemento primário da construção de um edifício. Logicamente que não.

Para a produção de uma parede são necessários diversos tipos de processos e materiais, como o cimento e o tijolo. Para a produção de tijolos e cimento são necessários ainda outros processos e outros materiais. Com isso ilustra-se o engano existente em se considerar o ser querente, isto é, o ato de querer como sendo o elemento básico desse estado, com sendo uma “coisa em si”. Por trás dele existe uma enorme gama de sensações e processos neurológicos e psicológicos.

E é a partir daí que o bagulho começa a ficar muito louco – e por louco quero dizer interessante. Tendo consciência de que existem esses pormenores por trás de todo ato da vontade, Nietzsche começa a fazer um extenso exame das sensações que os envolvem. Só lendo na íntegra essas dissertações para se obter uma experiência rica em profundidade, contundência e dramaticidade que só o Bigode consegue imprimir em sua forma peculiar de escrita – mas vou tentar reproduzir essas idéias mesmo minhas habilidades de redação sendo tão pífias e minguadas quanto às de um filhote de orangotango-de-sumatra se comparadas às dele.

“Em todo ato de vontade há um pensamento que comanda; [...] a vontade não é apenas um complexo de sentir e pensar, mas sobretudo um afeto: aquele afeto do comando. O que é chamado ‘livre arbítrio’ é, essencialmente, o afeto de superioridade em relação àquele que tem de obedecer: ‘eu sou livre, ‘ele’ tem de obedecer’ – essa consciência se esconde em toda a vontade” (parágrafo 19). Isso quase que resume as conclusões de Nietzsche, mas antes de afirmar o acima ele faz uma genealogia desses sentimentos e afetos, o que dá uma força impressionante a esse argumento.

Como deu pra perceber, pra Nietzsche o que se esconde por trás de todo o querer é o “afeto de superioridade”, um desejo de dominação, um afeto que existe entre a relação ordenar/obedecer; relação esta que existe dentro de nós mesmos, dentro do que se considera como o “eu” (sacou? Es un chiste!). Aí eu pensei: “porra! lógico, véi!”. Pense bem, toda vez que uma vontade é satisfeita surge um sentimento de poder, de algo dentro de si que se sente o ordenador; ao passo que há algo que se sente dominado, coagido, e tudo isso em diferentes níveis, diferentes amplitudes. Não consigo explicar melhor; sou mesmo um orangotango.

Mas péra aí, não existe também nessa idéia um resquício de metafísica, algo como essa vontade de poder sendo a própria causa sui? Aí é que está, meu caro. É aí que entra aquele desprendimento dos engodos do hábito gramatical que a tudo quer reduzir a um substrato. Essa tal “vontade de poder” também não passa de uma expressão sonora para se referir a um processo natural, puramente material e físico envolvendo átomos, substâncias, neurônios, hormônios, enfim, uma imensidão de coisas que para sequer sonhar em aventurar-se por ela seriam necessários trabalho e empenho de proporções colossais; no entando, não acho que tal empreitada seja impossível.

Nietzsche – Além do bem e do mal. Eis aí uma boa dica para leitura – mas não invente de ler se, como eu, tiveres a inteligência similar à de um primata, ou vais acabar destruindo a reputação do filósofo publicando um monte de merda em algum blog por aí. Internet é foda mêrmo.



*Por sorte, creio que ninguém terá ânimo pra chegar até o fim dessa postagem. Quem hoje gosta de filosofia?